O que aprendi viajando com o meu pai

Eu, de calça laranja, numa viagem com o meu pai e irmãs.
Escrevi essa redação para o curso Abril de Jornalismo, com o tema "quem sou eu e por que escolhi o jornalismo como profissão". Não consegui entrar no curso (corrigindo: Fui selecionada para a entrevista mas não consegui entrar no final), mas valeu o texto e a reflexão. O Papis que o diga.

“Antes de conhecer outros países, você tem que saber de onde veio”. Esse foi o conselho do meu pai que sempre mantive na memória, mesmo depois de seis anos morando nos Estados Unidos. Seu Francisco é do tipo patriota que faz os filhos cantarem o hino nacional com a mão no peito. Ele sabe bem de onde veio.

Desde que eu era criança, meu pai levava nossa família todos os anos para um canto diferente do Brasil. Conheci praias paradisíacas, cidades lindas, vistas de tirar o fôlego. Mas também conheci muita miséria. Visitei vilas com ruas de barro e vi crianças que brincavam na rua com ossos de animais ao invés de Barbie. Tomei Toddynho em padaria de cidade do interior ao lado de caminhoneiros que estavam apenas começando o dia. No final, aprendi com meu pai que o Brasil tem dois lados e que o país não é aquela facilidade de shopping paulistano da classe média, pelo menos não é para tantos outros brasileiros que cantam o mesmo hino nacional que eu. Foi assim que comecei a me perguntar quem é que conta a história desses brasileiros aparentemente esquecidos.

Sempre gostei de ler e escrever. Quando tinha dez anos, minha mãe me encontrou debaixo da escada de casa lendo escondido uma crônica do Jô Soares na revista Veja. Quando ela me perguntou o que eu estava fazendo, eu simplesmente disse que estava “treinando para ser igual aquele homem um dia”. Depois de um tempo descobri as crônicas na última página da Vejinha. Achava graça nas “historinhas”. Aos doze anos, descobri o resto da revista Veja. Aos quinze já tinha a minha própria assinatura da revista e finalmente descobri o nome de quem contava a história dos brasileiros esquecidos: jornalista. Mas viver de jornalismo? “Só vive de escrita quem quer passar fome”, foi o que ouvi de tantos amigos e familiares.

Enquanto buscava o que queria ser quando crescesse, fui descobrindo o Brasil e o que me faz feliz. Fiz aulas de fotografia, design e pintura. Aos dezoito anos, enquanto estudava num cursinho com o sonho de passar na UNB, morei por um ano em Brasilia. Explorei a quadradice correta da cidade e as linhas sensuais de Niemeyer, fui para muita festa de maracatu e aprendi a falar “oxi”, expressão que os meus conterrâneos paulistanos ainda fazem piada quando pronuncio. Tudo muito lindo—e corrupto.

Voltei para São Paulo, desiludida, para estudar desenho industrial numa faculdade particular. A faculdade era ruim e eu ainda querendo mudar o mundo. Casei, larguei desenho industrial e fui fazer faculdade nos Estados Unidos.

Dizem que, quando nos encontramos em uma situação extrema é quando realmente descobrimos nossa verdadeira essência. No meu caso, a teoria é verdade. E foi limpando chão para pagar a faculdade, recém-casada e me virando para escrever em inglês num país estrangeiro que eu parei de negar a mim mesma quem eu verdadeiramente sou. Redescobri o meu amor à minha pátria, amor que só conhece quem vive longe de casa, relembrei as viagens com meu pai e sucumbi ao meu desejo de contar as histórias daquela gente esquecida que eu conheci há tanto tempo. Estudei jornalismo e aprendi com os yankees sobre ética, trabalho, escrita e a ver o mundo sob uma nova perspectiva. Escrevi muito, me envolvi com projetos contra abuso de mulheres e escravidão e descobri novas histórias para contar.

Seu Francisco estava certo, é preciso saber de onde veio para descobrir para onde vai. Tanto tempo depois e, graças a muitas viagens, descobri quem sou e para onde vou—uma brasileira contadora de histórias engraçadinhas ou trágicas, mas todas verdadeiras, que quer mudar o mundo. Salário de fome? Quem se importa com isso quando se faz o que se ama.

Um comentário

Anônimo disse...

parabéns princesa da mãe!!
adorei ler o texto
muito verdadeiro e escrito com o coração